Seu nome era Vicente...
Mas poucos sabiam seu nome de batismo, aos estranhos e chegados era Nico, um senhor singelo, magrelo e calmo, não era capaz de arrumar uma briga, agredir uma mosca, seu único crime era beber demais, sorrir demais e cair de vez em quando. Me lembro bem do seus trejeitos, tomava café com o dedo mindinho levantado, andava vagaroso como se a vida acontecesse bem mais lenta em sua realidade pararela (Metaverso do vô Nico).
Carregava no bolso da camisa um pente pequeno, tinha o
hábito diário de pentear os ralos cabelos antes de cada refeição, hábito esse
que virou brincadeira das netas... Eu e minha irmã na época fazíamos penteados
incríveis na cabeça do vovô, seu cabelo oleoso permitia muitas esculturas
capilares, estilo gótico e contemporâneo, ele permitia, ria e depois arrumava
como de costume. Sentava lentamente no sofá, pois nos últimos anos sua noção
espacial já estava bem limitada pela idade e pela “marvada pinga”.
Seu radinho de pilha ( Já usado
na energia) tocava as modas de viola da sua infância, aos domingos ele não
perdia um programa da Inesita Barroso, saudoso, frequentava vez em quando o conhecido
forró do Áureo Preto, minha vó desaprovava, era ela que tocava a casa, ele não
dirigia, não trabalhava, era parceiro de pescaria, mas só ela pescava, ele
bebia...
Seu cheiro era um misto de cana
de açúcar alcoólica, sabonete e fumo. Quando eu chegava, menina, criança
pequena ele já me cumprimentava: olha a Janaia “Corta Páia”, esse meu apelido (que
só ele usava) era justamente uma homenagem pelo o hábito que ele conservava: o
de fazer seus cigarros de palha e fumar contemplando o universo.
Sempre vou lembrar dos seus dedos
amarelos pelo tabaco, do seu canivete pica fumo que com o tempo foi aposentado
e se tornou herança que mantenho guardado, a idade tirou a agilidade das suas
mãos para cortar o fumo de corda, mas ainda assim ele cultivou o Juriti terapêutico,
meditativo até seus últimos dias.
Vô Nico, único em sua
tranquilidade, italiano por hereditariedade, partiu como um sopro, mas ao contrário
dos outros, não partiu em paz, ele SEMPRE viveu em paz, na serenidade do seu próprio
ócio, deixou saudade em seus próximos, deixou sorrisos até nos distantes.